quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Visita

Nunca entendi o que era saudade. Até aquela tarde quente de início do ano. Aquela em que as pernas não aguentam peças de roupa sobre elas e a pele parece queimar mesmo na sombra e no vento percebido pelo movimento das árvores. Típicos do verão.

Naquela tarde fui convidada a uma visita inusitada. Na verdade, foi esta a ideia que tive logo que cheguei à sombra quente dos jardins mais vigiados que já vi. De longe os olhares se cruzaram e eu ao meio ainda sem percepção da cena que me esperava.

A saudade em mim, até aquele momento só poderia ser cessada com um longo abraço finalizado com o beijo de puro carinho. E naquele dia não foi esta imagem previsível, a visão que se podia ter do jardim.
Tratava-se da visita de amigos e familiares a jovens reclusos da sociedade. Estes internos naquele regime deveriam permanecer por quarenta dias. Decisão, muitas vezes, por falta de opção. Em suas mentes a saudade era grande, mas naquele dia ela não lhes era permitida.

Gélidos e insensíveis. A aparência de amantes da pátria percebida nas fardas camufladas escondiam sentimentos perceptíveis em seus olhos. Estes seus únicos aliados na tarde quente.

Estavam distantes de quem amavam e, assim, deveriam permanecer. Entre a dor física dos músculos cansados, a que mais os afetava era a da saudade.

Além das mães que gostariam de abraçar os filhos, os casais. O dia todo a esposa de um dos milicos se preparou para a hora da visita. A dor que apertava o peito também a deixava em prantos algumas vezes. Tinham se casado há pouco mais de um ano. Apesar de querer esconder ela não se acostumava com o fato de estarem longe.

Na visita, porém não se atreveram a se tocar. Mataram a saudade com olhares profundos que acariciavam a alma e o coração distantes fisicamente todo aquele tempo. Foram comportamentos tão discretos que, para minha surpresa, não precisavam de carinhos explícitos para demonstrar que se amavam.

Foram três horas e meia apenas. Na despedida, um toque. Eram as mãos que se cruzaram por um instante. No olhar diziam realmente tudo. Não precisavam de abraços.

Ela se virou e foi pra casa guardar a saudade. Ele continuou no jardim, à espera da próxima visita. Eu, segui com uma lição.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Anjos no Vale

Para mim seus sonhos eram restritos à estrada. Poeira e velocidade faziam parte da rotina de todos, sobre duas rodas. Misteriosos e sombrios. Naquela tarde de domingo tinham muito mais a revelar. Traziam no preto e no couro de suas roupas histórias de vida e solidariedade para cerca de 100 famílias.

Distantes de mim, fisicamente, e de meu conhecimento, assim permanecemos durante meus vinte e dois outonos incompletos. Eram, de fato, Anjos, no Vale simples do interior de São Paulo.
Um a um subiam o morro na rua estreita do bairro. A missão era mais digna do que a exibição das motocicletas de grante porte com aderesos inusitados. Era véspera de natal e algo deveria ser feito para aquelas famílias, especialmente, para as crianças.

Imunes do mundo sorriam ao ver o movimento. Com pressa saíam de suas casas, esbarravam umas nas outras enquanto corriam em direção à Praça da Igreja Santa Rita. Em volta de um dos canteiros de árvores, uma surpresa.

Ali, o capacete e as luvas pretas deram lugar aos embrulhos distribuídos para as crianças carentes do local. Palhaço e papai noel estavam presentes, ainda que cansados em meio ao sol escaldante dos inícios de tarde de dezembro.

A festa anunciava o natal. Contentes as mães levavam os filhos para ganhar os presentes, alguns especiais. Ao canto pessoas se refugiavam na sombra e se refrescavam com refrigerante e picolé servidos. Tudo muito simples, mas rico.

Naquele dia os amantes do asfalto não tinham postura séria, ao contrário, desde o início da festa, assumiam o papel de benfeitores de um povo que só sabia sorrir com o que via. Ação linda, experiência de amor, que só quem viu pode explicar.

*Texto baseado na 12ªedição da festa de natal do grupo de motoqueiros Anjos do Vale.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Lógica da vida

Esperar. Eis a lógica mais ingrata da vida. Em alguns casos a espera é algo que não compreende-se, algo que enche o coração de angústia e fere os sentidos.

Como muitos, nunca gostei de esperar. A pressa oculta em mim, ainda que tímida, sempre se manteve viva, e quando ameaçada pelas demoras da vida, teimava em aparecer como uma força incrível capaz de abalar os ânimos e fazer vir à tona a ansiedade.

Em meio a este conflito humano por ter que esperar pelo que quero me ensinou a acalmar a vida com o silêncio. Sim, o simples ato de ficar calada nos momentos em que gritar seria a solução mais apropriada, me devolveu, por muitas vezes, a força que precisaria em outros instantes.

A espera é precisa. Lógica perfeita ou não, é necessária. Dominá-la é um exercício capaz à vida. Insanidade pensar que não tê-la é alcançar a perfeição. A vida perfeita é ilusão. Os obstáculos da demora são degraus, sábio é quem os desloca a seu favor.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Verdes e apaixonantes

Eram onze da noite quando entrou em casa. Enfim, tudo fazia sentido. Sem pressa destrancava a porta e caminhava timidamente entre os móveis da sala escura devido o cair da noite. O quarto estava como deixara de manhã antes de sair. Ficava feliz quando encontrava as 'bagunças' no lugar. Para ela era sinônimo de que tudo permanecera do seu jeito, como estivesse satisfeita.

Como em tudo na vida não desejava grandes coisas. Aprendeu a sonhar sem tirar os pés do chão e não se arrepender do que não fez. No fim, ao menos, tudo parecia fazer sentido. Naquela noite o sono veio tranquilo e rápido, como um suspiro profundo de alívio e paz. Só pensava que teria tudo novamente no dia seguinte.

A obrigação diária o fazia por prazer. Pelo trabalho a tarde, não tinha o hábito de acordar cedo. Às 9h estava de pé no quarto bege claro. A parte da manhã era seu milagre pessoal, sobre tantas coisas que poderia fazer, procurava não fazer nada, por determinação própria. A preguiça era um dos pecados que a perseguia.

Ao meio dia, tinha pressa em almoçar. O tempo tinha que ser medido com precisão para nada dar errado. Guiando pelas prórprias mãos os passos, caminhara até a calçada larga do centro da cidade. De repente os olhos refletiam o brilho que vira. Eram de um tom verde desconhecido, às vezes os via azuis e a noite tom de mel. Misteriosos.

Eles sempre escondiam as surpresas que gostara de saber. Sua curiosidade era em decifrar cada gesto e argumentar com a prolixidade de ser. Na verdade gostava disso. Era de opinião forte e sua profissão a favorecia no dom da palavra.

Por fim, chegava às 22h. Eram os melhores sessenta minutos do dia. Sem mais, não precisava explicar nada. Tudo já possuia sentido completo quando, mesmo a noite, via aquele brilho. Eram verdes e obcecados, apaixonantes.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Primavera

Durante meses 'longe' deste espaço a vontade de escrever nunca me faltou. Confesso que tempo e possibilidades tive, mas por fatores ainda incompreensíveis à qualquer pessoa que não comungue de meus pensamentos, eu me mantive em silêncio, sem compartilhar parte de minha vida.

Em abril, planejei mentamente um texto para meu aniversário. A inspiração veio em uma tarde em que o sol se escondia para a chegada de mais uma noite de outono. As nuvens, misturadas ao monte naquele espetáculo da natureza, preenchia o cenário com tons roxos, muito lindos. Enquanto descia o morro de Cachoeira Paulista-SP, a vida tinha mais graça e as palavras exatas do texto se fizeram ali, completas.

Naquele dia eu caminhava leve, mesmo sem as flores vivas da primavera, que muito me encanta. Nesta estação é as pessoas se animam. Animadas nas ruas à noite, reproduzem pelas roupas leves e os pés à mostra os efeitos do clima quente. O ambiente colorido seduz até quem não costuma sorrir. Neste tempo as conversas têm mais cor e as paixões mais intesidade.

Enfim tudo é a primavera. Ela me inspira, me faz mais feliz, me faz mais viva.

"O perfume que andava com o vento pelo ar
Primavera soprando pr'um caminho mais feliz
 
Mais feliz, pois a rosa que se esconde
No cabelo mais bonito, é um grito
Quase um mito, uma prova de amor"

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Aquele breve adeus

Com um suspiro bem fundo iniciou a tragetória do fim. O sorriso relembrava a alegria e os frutos bons daqueles que não mais poderia chamar de simples colegas, mas amigos. A nova rotina a deixaria imune às lembranças dos momentos vividos nos quase dois anos que passara na sala grande, de janela larga e sacada que permitia a entrada do sol nos dias quentes.

Jamais poderia esquecer daqueles que convivera e partilhara a vida nos momentos tristes e mais alegres. Ali tinha feito festa, inventado dança, nome e sobrenome. Por trás do micro podia ver os sorrisos deixados em cada canto, junto aos momentos passados, que já não podem voltar.

Recordava-se daquele que lhe ensinara a primeira lição de assessoria ao redigir um  release. Exemplo de profissional, ele lhe trazia tranquilidade e lhe ensinara a ter humildade e caráter.Tinha a certeza que deixara marcas eternas em cada coração. Jamais poderia se afastar dali sem ter à mente o amigo das conversas longas, a garota de sonhos rebeldes, o determinado chefe de redação, o quase chefe, o modelo informatizado, a jovem administradora, a jornalista de grandes olhos verdes e a menina em que se via.

Todos faziam parte da sua realidade jornalística na redação improvisada. Por ali já havia visto muitos rostos, que de passagem foram embora e nunca mais surgiram. Ali teve excessos de raiva, alegria e muito aprendizado. Entrara uma menina e sairia com a experiência necessária para novamente fazer a diferença onde fosse.

Teria que dizer adeus, mas era difícil. No relógio, meio dia. Era quase hora de passar pela porta, descer as escadas, caminhar até a saída dos fundos, contornar o prédio e viver pela última vez a rotina dos meses que ali vivera. No fundo estava feliz, pois iria exercer seu dom em outros ares. A tristeza tinha nome. Este, amigos.

Por eles não queria olhar para trás. Gostava de reviver o caminho apenas pela mente e não ter lembranças do fim. Desejara apenas um breve adeus ou até mesmo um 'Até logo' necessário ao seu coração. Teria que ir e iria com a certeza de que deixou e levaria apenas o bem, nada mais.

*Homenagem aos amigos da Secretaria de Comunicação - Prefeitura de Lorena.
Aos Thiagos: Zogbi, Datena e Vilela. Ao Daniel e Baracho. E às meninas: Ariane, Sara, Nathália e Fabíola. A todos o meu muito obrigada, e desde já, sinto saudades.

**Na foto: Zogbi, Ariane, Datena e Eu.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Jornalistas, Parabéns!

Como parte de homenagem àqueles que destinam as horas do dia e da noite em registrar a história e aos que ainda são leigos no assunto, seguem abaixo algumas definições da paixão que me compõe.
Parabéns aos jornalistas do Brasil e do mundo. Em especial à Camila Campos, por ser jornalista e aniversariante neste dia.

***

"Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte."
Gabriel Garcia Marquez


“Jornalismo, independentemente de qualquer definição acadêmica, é uma fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de seus alvos: leitores, telespctadores ou ouvintes. uma batalha geralmente sutil e que usa uma arma de aparência extremamente inofensiva: a palavra, acrescida, no caso da televisão de imagens. Entrar no universo do jornalismo significa ver essa batalha por dentro, desvendar o mito da objetividade, saber quais são as fontes, discutir a liberdade de imprensa no Brasil”.
Clóvis Rossi


"O jornalista pertence a uma espécie de casta de párias, que é sempre estimada pela `sociedade' em termos de seu representante eticamente mais baixo. Daí as estranhas noções sobre o jornalista e seu trabalho. Nem todos compreendem que a realização jornalística exige pelo menos tanto `gênio' quanto a realização erudita, especialmente devido à necessidade de produzir imediatamente, e de `encomenda', devido à necessidade de ser eficiente, na verdade, em condições de produção totalmente diferentes".
Max Weber, A política como vocação


"Cães de guarda da sociedade'', "princípio da responsabilidade social'', imprensa como o ``Quarto Poder''. Todas essas expressões estão ligadas ao ideário romântico do jornalismo. De acordo com essas concepções, o jornalista teria um status diferenciado das demais profissões. Ele estaria, por princípio, comprometido com a sociedade - que lhe delega o poder de fiscalizar as instituições em seu nome - e com os valores democráticos. Em seu livro `Elementos do Jornalismo', Bill Kovach e Tom Rosenstiel (2003: 22-23) elaboraram uma lista com nove itens fundamentais para o exercício da profissão e que ilustram bem esse espírito de missão:
A primeira obrigação do jornalismo é a verdade. 2. Sua primeira lealdade é com os cidadãos. 3. Sua essência é a disciplina da verificação. 4. Seus profissionais devem ser independentes dos acontecimentos e das pessoas sobre as que informam. 5. Deve servir como um vigilante independente do poder. 6. Deve outorgar um lugar de respeito às críticas públicas e ao compromisso. 7. Tem de se esforçar para transformar o importante em algo interessante e oportuno. 8. Deve acompanhar as notícias tanto de forma exaustiva como proporcionada. 9. Seus profissionais devem ter direito de exercer o que lhes diz a consciência".
Fábio Henrique Pereira


"Enquanto começávamos um curso superior, repletos de dúvidas, chega a prática jornalística exigindo, logo de cara, que soubéssemos "o quê?, quando?, onde?, como?, quando? e o por quê?" de tudo nesse mundo, sendo que ainda não tínhamos certeza nem sobre nós mesmos. Depois, aprendemos a ordem dos textos. A pirâmide tem que ser invertida, mas era preciso reverter o nosso rumo e amadurecer de vez! Como nos critérios de noticiabilidade, descobrimos o que é realmente importante, e que, se notícia velha não vende jornal, a vida também seleciona o tempo que as coisas devem durar. Como na melhor das entrevistas ping-pong, fomos preenchendo nossos espaços vazios com respostas que um novo "arcabouço teórico" nos dava. Decidimos criar e moldar nosso próprio perfil, para deixar, pouco a pouco, de ser aquilo que sonharam para nós e nos tornar o que nós queremos realmente ser. Nossa vida ganhou novas manchetes e, ao mesmo tempo, críticas severas. Mas, há outra forma de crescer? Finalmente entendemos a importância de ouvir os dois lados da história, de ser ético e objetivo e de buscar o mito da imparcialidade. Percebemos que um texto, assim como a vida, é feito de detalhes: uma virgula fora do lugar pode fazer toda a diferença, mas que tudo só termina quando for colocado o último ponto final".

Parte do  texto de